sábado, 26 de maio de 2012

Impressões de inverno



MINHA SORTE QUE HOJE É SEXTA
É inverno, mas faz um calor infernal hoje. O cara que senta na janela deixa sempre a cortina em uma posição que é impossível olhar para o lado esquerdo da sala de aula. O sol teima em me cegar e o meu querido colega ainda me acha um chato. Eu não sei se ele não entende meus pedidos ou faz que não entende.
O pior é que hoje tem aula de Filosofia. A professora insiste em caminhar entre os apertados corredores, tropicando em nossas mochilas e falando, sem parar. Eu sabia que hoje não era o meu dia. Temia desde que acordei. Por que justo quando a gente não faz o tema que as professoras te olham com aquele olhar inquisidor e pronunciam o seu nome para ler as atividades? Consigo ver a professora anotando cada letra do meu nome em seu caderno. É um maldito caderno em que ela registra os inadimplentes. Será que é assim que se sentem os adultos que têm o nome adicionado ao SPC? Só sei que tudo o que eu não preciso é ter o meu nome na lista de Filosofia. Explicar aos meus pais que não fui bem em uma avaliação de Matemática já não é fácil. Se pegar mais alguma recuperação eles me deixam uma semana sem celular. Não sobrevivo. Juro que não sobrevivo.
A pergunta ecoa na minha cabeça. Diferenciar público e privado. Afinal de contas porque saber isto pode ser importante para mim? Vou tentar enrolar. “Público é quando se está num show” – respondo. Idiota sim. Muito idiota. Ela parece que caiu. Não. “Por que? – ela questiona. Odeio quando ela faz isso. Não posso dizer porque sim. Porque aqueles que dizem que são teus amigos não te ajudam numa hora dessas. Será que eu fui o único a não responder esta pergunta? Mas que merda. Ela não desiste nunca.
“Mateus. Você já brigou com a sua mãe?” Ora, alguém não brigou com este ser tão preocupado com o nosso bem-estar que chega a nos sufocar? Que insiste em não sair do lado do computador quando estamos conversando com a mina pela webcan? Ou então – pior, muito pior – nos chama de filhinho na frente de nossos amigos? Será mesmo?
Ela nem espera eu balançar a cabeça positivamente. Já está a falar de novo. “Supondo que você esteja muito bravo, independente do motivo, e você posta no face ‘Que saco. Minha mãe enchendo o saco aqui de novo. Qual é o problema?’”. Vou saber. Por que as piores perguntas sempre caem para mim? Ela está pegando no meu pé. Mais 33 alunos na sala e ela insiste em continuar olhando pra mim? A vontade é de dizer: nenhum. Mas esta, com certeza, não é a resposta certa.
Sorte que em toda a sala existem aquelas figuras carismáticas, que insistentemente levantam a mão para responder as perguntas dos professores. Tão quinta série. Coitados. “Professora, acredito que tenha a ver com a confusão que muitos jovens e até adultos cometem por não saber onde está o limite do público e privado” – responde. Ufa, ela parece feliz. Eu também. Limite? O complemento da professora é pior: “Na contemporaneidade, a maior dificuldade dos jovens é identificar a linha tênue que separa aquilo que se faz na vida privada daquilo que pode se tornar público”.
Eu ainda estava pensando sobre o significado de contemporaneidade quando ela chegou ao tênue. Por que filosofia pode ser tão mais complicado que matemática? Estou quase desejando fazer aquelas contas que enchem duas folhas. Estão todos dando pitaco na conversa.
Já olhei três vezes no relógio no último minuto. Pronto. 11h45. Sinal, bendito sinal. Vou para casa. Tenho de dormir. A noite tem balada.
Encontro a galera. O papo vai. O papo vem. Meu brother está indignado. Perdeu uma chance de estágio. O cara estava muito afim de arrumar um trampo. A mãe dele é mão fechada. Disse que não daria mais grana para ele encher a cara. Ele é maior de idade. Beber não é crime. “Você acredita que a amiga da minha prima que trabalha lá me falou que eles olharam o meu face e que não me chamaram porque viram umas fotos em que estava vomitando. Sabe daquele dia lá na Imigra. Me disseram que o meu perfil não se encaixava naquilo que a empresa precisava. Bando de engravatados metidos. Ficam mentindo para a gente. Depois ainda vão vir falar de ética. É muita hiprocisia” – continuava sem respirar entre uma frase e outra.
Telefone toca. É minha mãe. Histérica, me manda voltar para casa. Que saco. Só porque postei uma coisa boba. Que filho não xinga a mãe? Que filho tem a mãe como amiga no face? Preciso de um perfil fake.
11h43: “Em alguns casos quando algo do universo privado é jogado em um espaço público o resultado é muito parecido com aquilo que se faz na privada. Fede igualzinho” – alerta a professora. Muitos riem. Perdi mais um piada. Mas a sorte que hoje é sexta-feira. Toca sinal.
Odeio enigmas.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Brincadeira

Uma manifestação de apoio as reivindicações dos professores estaduais foi organizada pelos estudantes de Santa Cruz do Sul na manhã deste dia 23 de novembro. Mais de 400 estudantes erguendo cartazes com palavras de ordem, bandeiras e apitos – ou somente caminhando – percorreram as principais ruas de Santa Cruz do Sul para chamar a atenção do poder público para a questão que envolve a greve do magistério estadual.
O apoio ao pagamento do piso ao magistério e, principalmente, uma negativa a tentativa de reforma do currículo do ensino médio ainda para 2012. Os alunos – assim como os professores – não conseguem entender o motivo pelo qual a implantação do novo padrão curricular no estado do RS está sendo feito de forma autoritária. É flagrante a falta de respeito a sociedade civil, visto que os pais matricularam os filhos sem saber o que exatamente iam ser lhes ensinado.
Eu não consigo compreender porque é tão difícil atender a solicitação quanto a reforma. Obviamente não são todos os estudantes de ensino médio que esperam cursar uma graduação. Mas isto dá o direito ao Estado de tirar a oportunidade daqueles que assim o desejam? Que se deixe a opção: a forma tradicional, voltado para o vestibular e outros exames, como o Enem; ou a proposta do Governo do Estado.
Quanto à questão do pagamento do piso, é inegável que falta vontade política para pagá-lo. É preciso avançar muito além de uma questão salarial quando o assunto é educação, especialmente na infraestrutura das escolas. O caminho é longo, mas precisa ser trilhado.
No entanto, não se pode negar: existe uma lei e ela precisa ser cumprida. Ou com que direito o Estado vai cobrar que os cidadãos paguem os seus impostos? 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Depois a culpa é dos professores

Durante minha vida estudantil, especialmente a acadêmica, eu defendi a implantação das cotas para que alunos de escolas públicas pudessem se graduar em uma universidade pública. Hoje, só hoje, entendi uma coisa. Eu estava defendendo uma ideia que é de um Estado, por sinal, incapaz de resolver os problemas da população.
Qual o objetivo da implantação de reserva de vagas para alunos oriundos de escolas públicas em universidades também públicas? Esta ação nada mais do que é a comprovação da falta de capacidade do Estado em resolver os problemas de sua população. Qual problema? A da qualidade da educação das escolas públicas. Ou seja, já que eu não consigo dar conta de resolver a questão da qualidade do ensino para milhões de brasileiros, afinal isso denota investimento, eu vou lá e crio as cotas. Assim eu dou um “jeitinho” (característica tão pouco inerente a sociedade brasileira) de fazer com que os menos favorecidos estejam nas universidades e, consequentemente, fiquem quietos e não me causem temor. Sim, as massas causam temor nos políticos. Nós só não conseguimos nos dar conta disso. Caso contrário, o poder já seria nosso.
Todo mundo sabe, e os profissionais da educação também, que o mercado exige profissionais qualificados (diga-se: que saibam ler, escrever e fazer contas) e éticos. Então porque os alunos não aprendem? As respostas passam pela família e, principalmente, pela escola. Que escola é esta? É a imagem de alguém que sabe o que fazer, quando fazer e porque fazer, mas não pode agir, pois existe uma amarra colocada pelo Estado e que, de cima para baixo, dita o que é bom ou ruim.
Quer um exemplo? As mudanças na grade curricular do ensino médio, que o Estado do RS vende como positiva pois aumenta a carga horária em que os alunos estarão em sala de aula. Além disso, alguém sabe mais alguma coisa? Eu não. Mas ano que vem eu vou ser obrigada a lecionar dentro de um modelo que está fadado ao fracasso. Mas não me venham depois especialistas dizer que a culpa é dos professores. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Uma análise sobre a educação do Brasil

A poucos minutos consegui tempo para ler a edição de 21 e 28 de setembro da revista Veja (hoje é 12 de outubro e me permiti esse “deslize” antes de iniciar a correção de provas). Sou professora. Dedico 40 horas por semana ao planejamento e as atividades em sala de aula. Como temos governantes que insistem em desrespeitar as leis – não estou falando daquelas que envolvem o erário público, mas a da implementação do piso do magistério - divido as horas do meu dia com as atividades em um jornal semanal, durante outras 20 horas. Não costumo reclamar desta rotina, que muitas vezes é estafante. Afinal meus alunos não tem culpa disso.
Mas a questão que me leva a escrever hoje são os absurdos que se lê em relação a educação. Não sei se todos perceberam, mas todos no Brasil são “especialistas” em educação. Sobre um dado, infelizmente, não recaem dúvidas: o sistema educacional brasileiro está falido. Por motivos dos mais variados, diga-se de passagem.
Os professores são mal pagos. Mas o que mais me desmotiva mesmo não é o baixo salário e sim as “amarras” do sistema educacional, em que um professor que cobra padrões mínimos de aprendizagem – do tipo saber ler e escrever e, de vez em quando, interpretar, que por sinal não é atribuição só dos professores de Língua Portuguesa – são vistos com olhos odiosos não só pelos educandos. Eu me questiono se em um país com índices razoáveis de educação algum pai teria a coragem de solicitar – quando não exigir - a aprovação do filho. Infelizmente, esta não é uma situação fora do comum em nenhuma escola. A grande maioria dos pais não espera que os filhos aprendam, e sim que sejam aprovados.
No entanto, o que mais me chocou na leitura que havia mencionado do início deste texto são duas reportagens e um artigo da publicação nacional. A primeira delas fala sobre os resultados constrangedores do Enem 2010 e que apontam o desastre que é a educação oferecida no ensino médio de todo o país. Uma das principais causas apontadas pela reportagem é a falta de formação, seja ela básica ou continuada, dos professores. Esta é uma realidade. No entanto, a solução apresenta pela revista não me parece o melhor caminho. O economista Cláudio de Moura Castro, que se considera apto a dar sua contribuição para a educação do Brasil, sugere que profissionais como engenheiros e médicos lecionem. Duas indagações martelam na minha cabeça. Qual é o profissional que abandonaria um consultório em que recebe R$150 por consulta para receber um salário de professor? Vale lembrar que faltam engenheiros e médicos no país. Se a maior crítica sobre a formação dos educadores é a falta de disciplinas que auxiliem os profissionais a lidarem com os problemas em sala de aula nas licenciaturas – constatação que é verídica -, este problema não atingiria profissionais de outras áreas?
Eu discordo da visão de que a abertura para profissionais de áreas afins garanta maior concorrência na área. O que tornaria as licenciaturas mais concorridas seria uma remuneração maior, o que vislumbraria nos jovens a ideia de ascensão social. Questione um jovem se ele quer ser professor. A negativa é quase que absoluta. Alguns chegam a “aconselhar” os professores para que abandonem a área, pois julgam que estes tenham capacidade para “ganhar dinheiro” em outras profissões.
Já na reportagem de 28 de setembro, sobre as leis que só entravam os brasileiros, os autores da reportagem dão a entender que disciplinas como Filosofia e Sociologia tem alguma culpa pelo engessamento do currículo escolar. Será que o problema está no número de disciplinas ou no tempo que os estudantes brasileiros dedicam aos estudos? Se o problema do Brasil é que os nossos alunos não sabem ler, escrever e fazer contas porque estas disciplinas levam a culpa? Insisto novamente que se aprende a ler e escrever não só na disciplina de português, para isso é necessário que professores de outras áreas avaliem de forma séria – coisa que pais e alunos não gostam, mas nem por isso é desnecessária. Muitos dos profissionais da educação que buscam fazer um bom trabalho estão com as mãos amarradas pelos vícios do sistema, que envolve não só os governos mas toda a comunidade escolar, ou seja, pais, alunos, equipes diretivas e professores.
Termino minha avaliação com um daqueles momentos prazerosos em sala que vivenciei – sim eu gosto de dar aula e não é pelo salário. Ao comentar com os alunos durante uma aula de Sociologia – daquelas vistas por muitos como um penduricalho desnecessário – levantei a questão de que os asiáticos destinam aproximadamente 8 horas diárias para estudar. Um aluno expressou bem a visão de nós brasileiros, que damos mais valor ao Q.I. (Quem Indica) ao mérito pessoal. Levantou a mão e disse: “mas nós somos mais felizes”. É verdade, tem espaço para todos, especialmente para engenheiros, que são infelizes pois dedicaram anos fundamentais de sua vida para buscar o aperfeiçoamento profissional, e também para quem precisa carregar o balde de massa debaixo de um sol escaldante. É preciso que a sociedade compreenda que o sucesso é fruto de um investimento, não só de dinheiro, mas também de tempo – de estudo.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Aulão de História - Dia do Rock

Afinidade, por Távola


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos. 
O mais independente. 

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida. 

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro. 

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade. 

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. 

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios. 

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar. 

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar. 

Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra. 

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos. 

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido? 

A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem. 

Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes. 
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois. 

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso. 

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas. 

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.
(Arthur da Távola)